Mulheres na Liderança: a necessidade de desconstruir estereótipos no ambiente corporativo

Apesar dos avanços conquistados na inclusão feminina no ambiente corporativo, ainda há um longo caminho a percorrer. Uma pesquisa publicada pela FIA Business School revelou que, em 2023, as mulheres ocupavam 38% dos cargos de liderança no Brasil, mantendo o mesmo patamar do levantamento anterior.

No entanto, quando analisamos os cargos de diretoria e C-levels, os números são ainda mais preocupantes: houve um retrocesso de cinco pontos percentuais em relação a 2022, chegando a apenas 28%. O dado contrasta com a significativa presença feminina no quadro geral de funcionários das empresas pesquisadas, evidenciando que, no topo, as mulheres seguem sub-representadas.

Há uma exceção na empresa em que atuo atualmente, onde temos executivas na linha de frente e 71% das lideranças são mulheres. Porém, na maioria das empresas do setor de Saúde, o cenário é diferente à medida que se avança rumo ao topo da pirâmide. De acordo com dados do IBGE, 70% do total de trabalhadores desse segmento são mulheres. Esse número pode ser explicado pelo fato de que, culturalmente, fomos criadas para desempenhar papéis de cuidado. Assim, não é surpresa que muitas sigam carreiras em áreas assistenciais, como a saúde e a educação.

Embora expressivo, esse dado cria uma falsa sensação de que, pelo menos nesse setor, não há desigualdade de gênero. Porém, um olhar mais atento e profundo revela que, apesar dessa presença significativa, as mulheres se concentram na base da pirâmide. Apenas 25% delas estão em cargos de liderança.

Mais do que uma questão estatística — que, por si só, já nos leva a refletir sobre os obstáculos que enfrentamos no ambiente corporativo —, é fundamental discutir os comportamentos enraizados nesse cenário. Afinal, não basta analisar a quantidade de mulheres presentes em uma empresa se a cultura organizacional ainda sustenta um sistema desigual e machista.

E, infelizmente, essa mentalidade não se manifesta apenas nos homens. Muitas mulheres, para alcançar cargos de liderança, sentem-se pressionadas a adotar características tradicionalmente associadas ao universo masculino, como agressividade, imposição, competitividade e foco em resultados. Esses traços, frequentemente vinculados ao modelo predominante de liderança, acabam reforçando padrões rígidos e tornando a ascensão profissional ainda mais desafiadora para aquelas que não se encaixam nesse perfil.

Nosso trabalho, como lideranças, não é apenas desenvolver pessoas e gerir processos internos, mas também desconstruir esses rótulos estabelecidos e ampliar a visão para que possamos enxergar a mulher em todos os seus papéis. Isso significa criar uma cultura de escuta ativa e empatia, que, além de acolher mulheres vítimas de violência, também busque adotar práticas de sororidade. É necessário reconhecer e combater diferentes formas de comportamentos machistas, incluindo os de natureza psicológica, como julgamentos sobre corporalidade e vestimenta, além das microagressões que, muitas vezes, passam despercebidas no ambiente de trabalho.

Esse apoio a ser conquistado entre as mulheres deve incluir os homens como participantes ativos desse processo e, mais do que isso, levá-los a refletir sobre seu papel na transformação. Afinal, quantas pequenas agressões podem estar presentes em seus discursos sem que sequer percebam? Esse trabalho começa pelo letramento das lideranças, considerando as mulheres de forma geral, mas também levando em conta as interseccionalidades das mulheres cis, trans, PcD, negras e amarelas, e como todos esses desdobramentos de identidade impactam as diferentes camadas das empresas, especialmente no que diz respeito à saúde mental.

A discussão torna-se ainda mais relevante quando notamos que algumas empresas estão buscando cada vez mais espaços para defender a segurança psicológica, a saúde mental e as correlações com pertencimento, diversidade e inclusão. Não estamos prontos para deixar essas pautas de lado, especialmente em um país como o Brasil, que apresenta um alto índice de adoecimento mental.

Como mulher negra, reforço a importância da representatividade para que todas as pessoas possam repensar seus papéis na sociedade e promover mudanças reais no dia a dia do trabalho.

Por Priscilla Neves, Diretora de Gestão de Pessoas & Cultura da AFIP (Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa).