Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde(IRAS) ou infecções hospitalares, como são popularmente conhecidas, são aquelasadquiridas após 72 horas do início da internação ou mesmo depois da alta,principalmente se o paciente foi submetido a procedimentos invasivos dentro doambiente hospitalar. O problema é considerado uma questão de saúde pública, jáque, segundo a Associação Médica Brasileira, mais de 45 mil pessoas morremanualmente aqui no país por conta desse tipo de infecção. O uso excessivo de antibióticos pode ser considerado um dosprincipais obstáculos ao tratamento das infecções, desde as mais comuns. Issoporque o consumo frequente propicia o desenvolvimento de cepas maisresistentes.
E engana-se quem pensa que esse é um desafioenfrentado apenas pelas nações em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. NosEstados Unidos, por exemplo, de acordo com dados do CDC, Centro de Controle deDoenças norte-americano, mais de dois milhões de pessoas ao ano são infectadaspor microrganismos multirresistentes e aproximadamente 23 mil delas evoluempara óbito. No mundo, segundo a OMS, as infecções hospitalares atingem cerca de14% dos pacientes internados.
Outro relatório da Organização Mundial de Saúdesobre o assunto, publicado em 2022, mostra que, de cada 100 pacientes emcuidados intensivos, sete em países de alta renda e 15 em países de baixa emédia renda vão adquirir ao menos uma infecção durante a internação. Em média,um em cada 10 pacientes afetados morre por este motivo.
O tema vem ganhando cada vez mais destaque entreprofissionais da área da saúde. Autoridades sanitárias, diretores de hospitais e trabalhadores do setorprecisam sempre discutir os processos internos desses estabelecimentos eaprimorá-los, visando prevenir as infecções. E um ponto muito importante: fazeruso racional de antibióticos também dentro dos ambientes hospitalares.
“O diagnóstico precoce e assertivo de um agenteinfeccioso multirresistente auxilia em uma terapia rápida e precisa reduzindosignificativamente as taxas de mortalidade. Cada hora de atraso naadministração de um tratamento adequado pode estar associada a uma diminuiçãode até 7% na taxa de sobrevida do paciente”, explica Jussimara Nurmberger, gerente do Núcleo de Apoio ao Serviço de Controle de InfecçãoHospitalar (NASCIH) da AFIP.
BI permite identificação debactérias em tempo real
Foipensando em ajudar a reduzir os episódios de infecções nos hospitais quesurgiu, em 2012, o Núcleo de Apoio ao Serviço de Controle de InfecçãoHospitalar, uma das áreas de atuação da AFIP. O objetivo do NASCIH é oferecerapoio às Comissões de Controle deInfecção Hospitalar (CCIHs) por meio de ferramentas rápidas de diagnóstico paraa detecção de genes de resistência aos antimicrobianos, investigação de surtoshospitalares a partir da análise da genotipagem bacteriana e acompanhamento, emtempo real, de dados epidemiológicos.
Uma dasferramentas é um BI (BusinessIntelligence) de Microbiologia que monitora e mapeia a distribuição dosmicrorganismos em ambiente hospitalar e em ambiente comunitário. O programadisponibiliza informações de forma cumulativa em painéis personalizados comdados atualizados em tempo real, o que possibilita a identificação detendências de padrões de resistência bacteriana e a emergência em massa demicrorganismos que podem estar relacionados a surtos. Além disso, compara dadosentre as diferentes unidades do hospital e facilita a prescrição da terapiacorreta com base na clínica e no histórico epidemiológico da resistênciamicrobiana no hospital.
Em se tratando de superbactérias, resistentes atrês ou mais classes de medicamentos, uma vez identificadas, acendem o alerta e exigem atenção especial das equipes desaúde. É neste momento que oNASCIH é acionado pelos parceiros, realiza as análises microbiológicas emoleculares e, após cruzamento de informações, indica o procedimento maisadequado para cada cenário.
Mais de quarenta hospitais ligados ao SUS no estadode São Paulo contam com o suporte do Núcleo. Ele tem o papel de dialogar com as CCIHs para análise eavaliação de possíveis patógenos infectantes. No laboratório da AFIP érealizado o cultivo das bactérias efungos, a identificação e o teste de sensibilidade a antibióticos e antifúngicos.
Quandoocorre uma suspeita de infecção no paciente, em muitos casos, não é possívelesperar o resultado do exame de microbiologia para iniciar o tratamento.Normalmente, ele é iniciado considerando a condição do paciente e o perfilepidemiológico local e depois pode ser alterado ou corrigido de acordo com o resultado do examemicrobiológico.
Hospital Estadual Ipiranga consegue controlarinfecção hospitalar
A atuaçãodo NASCIH junto aos parceiros édiária. Mas um caso, em especial, é considerado sucesso e nos permitevisualizar melhor como se dão esses processos. Em 2022, no Hospital Estadual doIpiranga, a coordenadora do CCIH, Dra. Hercilia Borges, começou a notar umaumento no número de casos de infecção pela bactéria Acinetobacterbaumannii.
“Por conta do uso indiscriminado de algunsmedicamentos durante a pandemia, acreditamos que as bactérias se tornaram aindamais multirresistentes. E isso chamou minha atenção. Com a suspeita de surto noradar, entrei em contato com o NASCIH que, prontamente, passou a acompanhartodos os casos e confirmou o que eu já esperava”, relata Hercilia.
A partir daí, o departamento onde o surto estáinstalado entra com medidas de combate. Uma delas é o reforço na lavagem dasmãos. Esse gesto tão simples é considerado um dos principais métodos decontrole de infecções dentro (e fora) dos hospitais. Associado, claro, a umalimpeza mais eficaz do ambiente, e cuidados com dispositivos, como catéteres,por exemplo. Desde dezembro do ano passado não são registrados casos deinfecção por Acinetobacter baumanniino Hospital Estadual do Ipiranga.
“A chave para o sucesso do controle deinfecção hospitalar não está no trabalho individualizado. A interaçãomultiprofissional promove a melhoria da qualidade do serviço prestado aopaciente e a redução de custo com positivo impacto socioeconômico tanto para otratamento dos pacientes quanto com os gastos da farmácia e hotelariahospitalar”, complementa Jussimara.
Previsões de mortes porsuperbactéria
Oeconomista britânico Jim O´Neill, conhecido por ter criado o termo BRIC,liderou um estudo cujos resultados são alarmantes. De acordo com ele, até 2050,uma pessoa morrerá a cada três segundos por causa de superbactérias,totalizando dez milhões de mortes ao ano. Só para termos um comparativo, em2022, 9,7 milhões de pessoas morreram no mundo em virtude de cânceres.
A publicação do economista diz que a situaçãoestá piorando gradualmente e é preciso um esforço coletivo para mudar essaperspectiva. As mortes,claro, são consequências diretas desse problema, mas há as indiretas. Aindasegundo Jim O´Neill, até metade do século, os custos advindos daresistência a antibióticos chegarão a US$ 100 trilhões.
Jussimara Nurmberger reitera que, apesar de essasinformações serem chocantes, atitudes estão sendo tomadas. “Todo mundo estáfazendo um pouco do que lhe cabe para minimizar essa situação. É importante,porém, que olhemos para a questão das infecções hospitalares de uma formaglobal, num modelo de saúde única”, diz a gerente do NASCIH.
Issosignifica também reduzir o uso de antibióticos na agricultura e na pecuária. Umestudo feito pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura(FAO), entre 2018 e 2020, com base em dados de 30 países, estimou queaproximadamente de 200 mil a 250 mil toneladas de antimicrobianos sãoproduzidas anualmente e consumidas em todo o mundo a cada ano. Desse total, 70%são consumidos por animais e 30% por humanos.
“O Brasilestá avançado nas discussões e ações que tratam do controle das infecções hospitalares. Mas é sempre possível melhorar e evoluir, tendo em mente que,quando falamos desse assunto, a meta ideal é não registrar nenhum caso”, finaliza Jussimara.